Efetividade do uso de inibidores de checkpoint imunitário em doentes com cancro da cabeça e pescoço – experiência de um centro português

Efetividade do uso de inibidores de checkpoint imunitário em doentes com cancro da cabeça e pescoço – experiência de um centro português

Sara Cerqueira Cabral 1 , Rita Sobral 1, Miguel Santos 1, Sara Magno 1, Diana Pessoa 1, Pedro Freitas 1, Fátima Vaz 1, Teresa Alexandre 1, Isabel Sargento 1

1 Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil, Lisboa, Portugal

*Correspondence: Sara Cerqueira Cabral. Email: srcabral@ipolisboa.min-saude.pt

Date of reception: 10-02-2025

Date of acceptance: 15-02-2025

DOI: 10.24875/RPO.M25000006

Available online: 08-04-2025

Rev. Port. Oncol. 2025;8(1):1-7

Abstract

Introdução: Os cancros de cabeça e pescoço (CCP) são potencialmente curáveis com estratégias multimodais. Contudo, a doença platinossensível recidivante ou metastática tem pior prognóstico. Para casos com combined positive score (CPS) ≥ 1, o uso de pembrolizumab, com ou sem quimioterapia, foi aprovado com base no estudo Keynote-048. O presente estudo avaliou o uso de pembrolizumab como primeira linha paliativa em doentes com doença platinossensível no Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil (IPOLFG).

Métodos: Estudo observacional e retrospetivo com doentes tratados entre fevereiro de 2022 e agosto de 2024. Foram recolhidos dados sobre as caraterísticas da população, dos tumores e do tratamento. Os dados foram colhidos através de consulta do processo clínico. As toxicidades foram graduadas segundo CTCAE versão 5.0 e as toxicidades imunomediadas foram classificadas de acordo com as guidelines ESMO. A análise estatística é descritiva.

Resultados: Foram avaliados 66 doentes, maioritariamente homens (75,76%), com idade mediana de 61,5 anos, fumadores (72,72%) e com ECOG PS 1 (68,18%) ou 2 (19,68%). A localização tumoral principal foi a cavidade oral (45,46%). A recaída com metastização foi comum (53,03%), predominantemente pulmonar (30,30%). Foi preferencialmente utilizada a combinação de pembrolizumab com quimioterapia (60,61%). Entre os doentes tratados com pembrolizumab em monoterapia, 18 tinham mais de 70 anos e 8 tinham contraindicações para platina. O follow-up mediano foi de 32,59 meses. A overall survival (OS) mediana foi de 14,82 meses e a progression free survival (PFS) mediana de 4,37 meses. A taxa de resposta foi de 37,88% (com quatro respostas completas, três com pembrolizumab em combinação com quimioterapia e um com pembrolizumab isolado). Em 12,12% dos doentes houve toxicidades graves (G ≥ 3), incluindo toxidermia G4, pneumonite G3 e hipotiroidismo G3. Dois dos doentes mais idosos tratados com pembrolizumab em monoterapia apresentaram toxicidade G3 (hepatotoxicidade e pneumonite).

Conclusão: A população estudada teve resultados de OS e PFS semelhantes ao Keynote-048, apesar da idade avançada e do pior performance status (PS). A taxa de resposta e o perfil de toxicidade foram consistentes com os dados publicados.

Keywords: Cancro cabeça e pescoço. Pembrolizumab. Tratamento paliativo.

Contents

Introdução

O cancro da cabeça e pescoço (CCP) abrange os carcinomas epidermoides localizados na cavidade oral, orofaringe, laringe e hipofaringe. Com cerca de 800.000 novos casos e 400.000 mortes registados em 2022, o CCP é o sétimo tipo de cancro mais prevalente mundialmente e a sua incidência tem vindo a aumentar1.

Embora seja uma doença potencialmente curável em estádios precoces, o diagnóstico frequentemente ocorre em fases avançadas, o que limita as opções terapêuticas disponíveis e compromete significativamente o prognóstico. Antes da introdução da imunoterapia, o tratamento padrão para CCP recidivante ou metastático platinossensível era o regime EXTREME, uma combinação de platina, 5-fluorouracilo e cetuximab. Este protocolo, apesar de proporcionar uma sobrevivência mediana de 6 a 10 meses, estava associado a toxicidade significativa2.

O pembrolizumab, um anticorpo monoclonal que inibe o recetor de morte programada-1 (PD-1), demonstrou, no ensaio clínico Keynote-048, vantagens significativas na overall survival (OS). Em monoterapia, a OS foi de 12,3 meses, enquanto a combinação com quimioterapia alcançou 13 meses. Além disso, o tratamento mostrou respostas mais duradouras e um perfil de toxicidade favorável, tanto isolado como em combinação com quimioterapia, em doentes com CCP recorrente ou metastático platinossensível com expressão de PD-L1 CPS ≥ 1, quando comparado com o regime EXTREME3.

Apesar dos resultados promissores dos ensaios clínicos, é essencial avaliar a efetividade do pembrolizumab no contexto de vida real. Esta avaliação deve considerar desafios como a presença de comorbilidades e a maior fragilidade dos doentes. Com este estudo, propomo-nos a analisar o uso do pembrolizumab, isolado ou em combinação com quimioterapia, como primeira linha terapêutica em contexto paliativo em doença platinossensível, na população tratada no Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil (IPOLFG).

Material e métodos

Foram incluídos doentes tratados no IPOLFG entre fevereiro de 2022 e agosto de 2024. Foram avaliadas as caraterísticas demográficas (sexo, idade, hábitos tabágicos e performance status (PS) segundo o Eastern Cooperative Oncology Group (ECOG), caraterísticas da doença (localização do tumor primário, histologia, extensão da doença à data do início do tratamento e combined positive score (CPS) e caraterísticas dos tratamentos (tratamento inicial, perfil de recidiva, tratamento incluindo pembrolizumab, taxas de resposta e eventos adversos).

Os eventos adversos foram classificados segundo os Common Terminology Criteria for Adverse Events (CTCAE), versão 5.0 e as toxicidades imunomediadas foram analisadas de acordo com as guidelines da European Society for Medical Oncology (ESMO). A progression free survival (PFS) foi definida como o tempo entre o início do tratamento com pembrolizumab e a progressão clínica ou imagiológica da doença, ou morte por qualquer causa. A OS foi definida como o tempo desde o início do pembrolizumab até à morte por qualquer causa.

Foram incluídos doentes com mais de 18 anos, diagnóstico histológico confirmado de carcinoma pavimento-celular recidivante e/ou metastático platinossensível, submetidos a tratamento com pembrolizumab isolado ou em combinação com quimioterapia à base de platina e 5-fluorouracilo. Os dados foram recolhidos através da consulta de processos clínicos, garantindo a ocultação dos dados identificadores e respeitando o direito à confidencialidade. Por se tratar de um estudo retrospetivo, com recolha dos dados previamente discriminados e sem intervenção no curso clínico dos doentes, foi dispensada a obtenção de consentimento informado.

Os resultados foram apresentados de forma agregada. A análise estatística foi descritiva e realizada com o apoio dos softwares Microsoft® Excel® e IBM® SPSS®. Para variáveis com distribuição não-normal foram aplicados os testes de Shapiro-Wilk e Kolmogorov-Smirnov. Curvas de Kaplan-Meier foram geradas para análise da sobrevivência livre de progressão e sobrevivência global.

Resultados

Foram avaliados 66 doentes, cujas caraterísticas demográficas, do tumor primário, do tratamento inicial e da apresentação da doença avançada estão detalhadas na tabela 1. A maioria da população era composta por homens (75,76%, n = 50), com uma idade mediana de 61,5 anos (intervalo: 41-84 anos). A maior parte dos doentes era fumadora (72,72%, n = 48) e apresentava ECOG PS 1 (68,18%, n = 45) ou 2 (19,68%, n = 13).

A principal localização do tumor primário foi a cavidade oral (45,46%, n = 30). A maior parte dos doentes foi submetida a cirurgia do tumor primário (69,70%, n = 46) e 50,00% (n = 33) realizaram radioterapia adjuvante. Oito (%) doentes apresentaram metastização à distância no momento do diagnóstico.

Na recaída, menos de um quarto dos doentes (24,24%, n = 16) apresentavam doença locorregional irressecável e a maioria dos doentes foi tratada no contexto de metastização, com ou sem recidiva local associada (53,03%, n = 35). A principal localização das metástases foi pulmonar (30,30%, n = 20), ganglionar (27,27%, n = 18) e óssea (12,12%, n = 8).

Tabela 1. Caraterísticas da população

Caraterística n (%)
ECOG PS
 0
 1
 2

8 (12,12)
45 (68,18)
13 (19,70)
Idade
 ≥ 70 anos*

21 (31,82)
Fumadores 48 (72,73)
Localização do tumor primário
 Cavidade oral
 Orofaringe
  Orofaringe p16 +
 Laringe
 Hipofaringe

30 (45,45)
12 (18,18)
3 (4,55)
13 (19,70)
11 (16,67)
Estadiamento inicial
 II
 III
 IVa
 IVb
 IVc

9 (13,64)
9 (13,64)
27 (40,91)
13 (19,70)
8 (12,12)
1 ≥ CPS < 20 60 (90,91)
CPS ≥ 20 6 (9,09)
Tratamento inicial
 Cirurgia do tumor primário**
 Cirurgia e RT adjuvante
 Cirurgia e QRT adjuvante
  Cisplatina
  Carboplatina
 QRT definitiva com cisplatina
 RT definitiva exclusiva

46 (69,70)
33 (50,00)
7 (10,61)
6 (9,09)
1 (1,52)
14 (21,21)
2 (3,03)
Status da doença avançada
 Recidiva local
 Metastização
  Metastização pulmonar
  Metastização ganglionar
  Metastização óssea
  Metastização hepática

31 (46,97)
35 (53,03)
20 (30,30)
18 (27,27)
8 (12,12)
3 (4,55)

* Idade no diagnóstico de recidiva.

**4 doentes foram submetidos a cirurgia do primário mas posteriormente os exames complementares de diagnóstico revelaram doença metastática ECOG: Eastern Cooperative Oncology Group; PS: performance status; CPS: combined positive score; RT: radioterapia; QRT: quimiorradioterapia.

A combinação de pembrolizumab com quimioterapia foi utilizada em 60,61% dos casos (n = 40). Desses doentes, 25% (n = 10) foram tratados com esquemas à base de cisplatina e 75% (n = 30) com carboplatina. 39,39% (n = 26) dos doentes foram tratados com pembrolizumab em monoterapia, sendo que 22,73% (n = 15) tinham idade igual ou superior a 70 anos e 16,67% (n = 11) apresentavam contraindicações ao uso de platina.

A taxa de resposta global foi de 37,88% (n = 25), incluindo quatro doentes com resposta completa. Todos os doentes com resposta completa foram tratados em contexto de recidiva local. Destes, dois apresentavam CPS ≥ 20; três foram tratados com pembrolizumab em combinação com quimioterapia (dois com cisplatina e um com carboplatina) e um apresentou resposta completa com pembrolizumab em monoterapia. A tabela 2 apresenta uma descrição detalhada das especificações do tratamento realizado e das respetivas respostas terapêuticas.

Dois dos doentes com resposta completa desenvolveram endocrinopatia imunomediada de grau 3, o que levou à descontinuação do tratamento, no entanto, a resposta clínica foi mantida.

O perfil de toxicidade, descrito detalhadamente na tabela 3, foi considerado manejável na maioria dos doentes, com descontinuação do tratamento devido a eventos adversos registados em 12,12% dos casos (n = 8). Destacam-se os seguintes eventos adversos: um episódio de toxidermia de grau 4, toxicidade hematológica de grau 3 em 10 doentes, um caso de pneumonite de grau 3, um caso de hepatite imunomediada de grau 3, hipotiroidismo de grau 3 em quatro doentes e um caso de insuficiência suprarrenal de grau 3.

A nossa população inclui 21 doentes (31,82%) com idade igual ou superior a 70 anos. Relativamente às comorbilidades deste grupo etário 11 (52,38%) apresentavam HTA, cinco (23,81%) dislipidemia, cinco (23,81%) diabetes mellitus, três (14,29%) cardiopatia isquémica, dois (9,53%) doença cerebrovascular, um doente apresentava défice cognitivo ligeiro e um doente tinha demência alcoólica.

Três destes doentes com 70 anos, com ECOG PS 0 e sem comorbilidades, foram considerados fit e tratados com pembrolizumab em combinação com quimioterapia, sem toxicidades de relevo a reportar e com resposta parcial.

18 doentes com idade igual ou superior a 70 anos foram tratados com pembrolizumab em monoterapia. Neste pool de doentes registaram-se dois eventos de toxicidade imunomediada de grau 3: hepatotoxicidade e pneumonite. O doente com hepatotoxicidade, após suspender a terapêutica, manteve a resposta parcial. Nesta população mais idosa tratada com pembrolizumab em monoterapia verificou-se também um episódio de toxicidade cutânea G2 e um diagnóstico de hiponatremia G2. Não foram registadas mortes tóxicas.

O follow-up mediano foi de 32,59 meses (intervalo: 5,42-219,01 meses). A OS mediana foi de 14,82 meses (intervalo: 6,22-23,41 meses) e a PFS mediana foi de 4,37 meses (intervalo: 2,40-6,34 meses). Os resultados são apresentados nas figuras 1 e 2.

Tabela 2. Caraterísticas do tratamento e da resposta terapêutica

Caraterstica n (%)
Tratamento
 Pembrolizumab em monoterapia
 Quimioterapia + pembrolizumab
 Quimioterapia com cisplatina
 Quimioterapia com carboplatina

26 (39,39)
40 (60,61)
10 (15,15)
30 (45,45)
Resposta
 Resposta completa
 Resposta parcial
 Doença estável
 Progressão de doença

4 (6,06)
21 (31,82)
4 (6,06)
37 (56,06)

Discussão

As caraterísticas da população do nosso estudo são consistentes com o esperado para esta patologia. A idade mediana foi de 61,5 anos, valor próximo ao reportado no ensaio Keynote-048. No entanto, 21 doentes (31,82%) tinham 70 anos ou mais, representando uma população mais idosa e com mais comorbilidades. Dois doentes, com mais de 80 anos, sofriam de alterações mnésicas (incluindo um diagnóstico de demência alcoólica) mas apresentavam doença avançada com deterioração da qualidade de vida pela sintomatologia, pelo que, tendo em conta a relação risco/benefício, foi proposto tratamento sistémico com pembrolizumab em monoterapia. Em termos de performance status, cerca de 20% dos doentes apresentavam ECOG PS 2, evidenciando a fragilidade da nossa população com CCP avançado, um subgrupo que também não foi representado no Keynote-048.

Relativamente à localização do tumor primário, identificámos algumas diferenças. No nosso estudo, os tumores primários da cavidade oral representaram 45,45% dos casos, enquanto no Keynote-048 corresponderam a 27-30%. Em contrapartida, tumores da orofaringe foram mais frequentes no Keynote-048 (38-40%) comparativamente aos 18,18% observados no nosso estudo. Adicionalmente, tumores da orofaringe p16 positivo, que no Keynote-048 representaram 21-22% da população, corresponderam apenas a 4,55% no nosso estudo.

No que diz respeito ao CPS, a proporção de tumores com CPS ≥ 20 foi inferior no nosso estudo (9,09%) em comparação com os 43% no Keynote-048. Contudo, os nossos doentes foram todos selecionados com CPS ≥ 1, enquanto no Keynote-048 esta proporção foi de 85%.

Tabela 3. Perfil de toxicidade

Toxicidade n (%)
Toxicidade hematológica
 Anemia G ≥ 3
 Anemia G < 3
 Neutropenia G ≥ 3
 Neutropenia G < 3
 Trombocitopenia G ≥ 3
 Trombocitopenia G < 3

3 (4,54)
19 (28,79)
5 (7,56)
9 (13,64)
2 (3,03)
8 (12,12)
Toxicidade endócrina
 Hipotiroidismo G ≥ 3
 Hipotiroidismo G < 3
 Insuficiência suprarrenal G ≥ 3
 Insuficiência suprarrenal G < 3

4 (6,06)
13 (19,70)
1 (1,52)
1 (1,52)
Alterações metabólicas
 Hiperglicemia G < 3
 Hiponatremia (SIADH) G < 3

1 (1,52)
3 (4,55)
Toxicidade gastrointestinal
 Vómitos G ≥ 3
 Vómitos G < 3
 Mucosite G ≥ 3
 Mucosite G < 3

1 (1,52)
8 (12,12)
2 (3,03)
2 (3,03)
Toxicidade cutânea
 Eritrodermia G ≥ 3
 Eritrodermia G2

2 (3,03)
4 (6,06)
Toxicidade pulmonar
 Pneumonite G ≥ 3

1 (1,52)
Toxicidade hepática
 Hepatite imunomediada G ≥ 3

1 (1,52)
Descontinuação do tratamento por toxicidade 8 (12,12)
SIADH: Syndrome of Inappropriate Antidiuretic Hormone Secretion.

Em termos de tratamento prévio para o tumor primário, foi realizada quimiorradioterapia em 31,82% dos casos no nosso estudo, sendo a cisplatina utilizada em 30,3%. No Keynote-048 não foram reportadas informações detalhadas sobre tratamento prévio, em contexto de doença localizada.

Quanto ao tratamento da doença avançada, o pembrolizumab foi combinado com quimioterapia em 60,61% da nossa população, comparável aos 65,87% do Keynote-048. Desses, 45,45% receberam carboplatina no nosso estudo, enquanto no Keynote-048 esta proporção foi de 57%.

Os nossos resultados sugerem um benefício clinicamente relevante com esta estratégia terapêutica, mesmo considerando o prognóstico reservado associado ao CCP avançado. A taxa de benefício clínico foi de 43,94% (incluindo doentes com resposta completa, resposta parcial e doença estável).

É importante destacar as limitações do nosso estudo, nomeadamente o reduzido tamanho da amostra e a sua natureza retrospetiva, que podem dificultar a interpretação dos resultados. Além disso, admite-se a possibilidade de subestimação de eventos adversos no perfil de segurança, dada a limitação de colheita de dados através de consulta de processos clínicos.

O follow-up mediano no nosso estudo foi 32,59 meses (IC 95%, 5,42-219,01 meses), inferior ao reportado na atualização dos resultados do Keynote-048 (follow-up mediano de 45 meses). A OS mediana no ensaio clínico foi de 12,3 meses ou 13,6 meses, no grupo com com CPS ≥ 1, tratados com pembrolizumab em monoterapia ou em combinação com quimioterapia, respetivamente. Na nossa população global a OS mediana foi de 14,82 meses. Relativamente à taxa de resposta foi de 37,88% (com quatro respostas completas, três com pembrolizumab em combinação com quimioterapia e um com pembrolizumab isolado). As taxas de resposta apresentadas no Keynote-048 no grupo CPS ≥ 1 são de 19,1% para o grupo tratado com pembrolizumab em monoterapia e 37,2% para o grupo tratado com combinação com quimioterapia.

Apesar destes dados não serem diretamente comparáveis, era expetável que o ensaio clínico reportasse dados de sobrevivência mais favoráveis, provavelmente devido à seleção criteriosa dos doentes incluídos em ensaio clínico. Contudo, no nosso contexto de vida real, mesmo incluindo doentes que seriam excluídos do ensaio, encontramos valores muito semelhantes aos apresentados no Keynote-0484.

O perfil de toxicidade que reportamos neste estudo é semelhante ao descrito no ensaio Keynote-048. Registámos 12,12% (n = 8) eventos adversos com grau ≥ 3, que motivaram descontinuação do tratamento. Ao contrário do ensaio clínico em que se registaram duas mortes tóxicas por pneumonite, não verificámos nenhuma morte tóxica e houve apenas um episódio de pneumonite num doente mais idoso (70 anos), fumador e previamente tratado com radioterapia adjuvante (na doença localizada da hipofaringe). Na última atualização do ensaio Keynote-048 foram reportadas toxicidades com grau 3 em 17% dos doentes tratados com pembrolizumab em monoterapia e 71,7% dos doentes tratados com pembrolizumab em combinação com quimioterapia. No ensaio clínico, 11,3% dos doentes tratados com pembrolizumab descontinuaram o tratamento por evento adverso, enquanto no grupo tratado com combinação com quimioterapia este valor é de 17,3%4.

Figura 1. Overall survival.

Figura 2. Progression free survival.

A taxa de benefício clínico foi de 43,94% na nossa população (considerando os doentes que atingiram resposta completa, resposta parcial e doença estável). A amostra reduzida que reportamos e a natureza retrospetiva deste estudo são limitações importantes que podem dificultar a interpretação dos resultados. Relativamente ao perfil de segurança, admite-se que possa existir subestimação dos eventos adversos.

Conclusão

Este estudo demonstra que a nossa população apresenta uma OS semelhante às publicadas na atualização do ensaio Keynote-048: 14,8 meses vs. 13,6 meses com a combinação e 12,3 meses com pembrolizumab em monoterapia. Embora se trate de uma população mais idosa com pior performance status, verificámos uma taxa de resposta de 37,88% (vs. 37,2% com combinação e 19,1% com monoterapia), com uma taxa de 12,12% de descontinuação do tratamento por toxicidade grave (vs. 17,3% com combinação e 11,3% com monoterapia). Tendo em conta o mau prognóstico associado a esta neoplasia em estádios avançados, consideramos que os nossos resultados demonstram um benefício clinicamente relevante com esta estratégia terapêutica no contexto da vida real.

Agradecimentos

O presente trabalho foi apresentado no 14° Simpósio do Grupo de Estudos de Cancro da Cabeça e Pescoço (GECCP) sob a forma de póster. Um agradecimento à parceria do GECCP com a Sociedade Portuguesa de Oncologia (SPO) que permitiu a submissão deste trabalho à Revista Portuguesa de Oncologia.

Financiamento

Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Conflito de interesses

Os autores declaram a inexistência de conflito de interesses na realização do presente trabalho.

Considerações éticas

Proteção de pessoas e animais. Os autores declaram que para esta pesquisa não foram realizados experimentos em seres humanos nem em animais.

Confidencialidade, consentimento informado e aprovação ética. Os autores obtiveram a aprovação do Comitê de Ética para a análise de dados clínicos obtidos de forma rotineira e anonimizados, portanto, não foi necessário o consentimento informado. As recomendações pertinentes foram seguidas.

Declaração sobre o uso de inteligência artificial. Os autores declaram que não utilizaram nenhum tipo de inteligência artificial generativa para a redação deste manuscrito.

References

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