Diagnóstico incidental de carcinoma do quisto do canal tireoglosso: o que fazer a seguir?

Diagnóstico incidental de carcinoma do quisto do canal tireoglosso: o que fazer a seguir?

Diogo Paula 1, 2 , André Lázaro 1, 2, 3, José G. Tralhão 1, 2, 3

1 Serviço de Cirurgia Geral, Unidade Local de Saúde de Coimbra, Coimbra, Portugal; 2 Centro Académico Clínico de Coimbra, Coimbra, Portugal; 3 Coimbra Institute for Clinical and Biomedical Research (iCBR) Area of Environment, Genetics and Oncobiology (CIMAGO), Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal

*Correspondence: Diogo Paula. Email: diogopaula.dp@gmail.com

Date of reception: 28-01-2025

Date of acceptance: 18-02-2025

DOI: 10.24875/RPO.M25000007

Available online: 16-06-2025

Rev. Port. Oncol. 2025;8(2):61-64

Abstract

O cisto do ducto tireoglosso é uma lesão congênita comum do pescoço, representando cerca de 7% das massas cervicais anteriores em adultos. O carcinoma do cisto do ducto tireoglosso é uma patologia rara, observada em apenas 1% de todos os casos. A ocorrência simultânea de carcinoma da glândula tiroide com carcinoma do cisto do ducto tireoglosso é ainda mais incomum. Quando descobertos incidentalmente, esses carcinomas são tratados de forma eficaz com a operação de Sistrunk, desde que a glândula tireoide apresente-se normal na avaliação clínica e de imagem. Apresenta-se o caso clínico de um homem de 60 anos com uma massa cervical indolor, de evolução lenta ao longo de vários anos. A avaliação diagnóstica levantou a hipótese de um cisto do ducto tireoglosso. Foi submetido à operação de Sistrunk, sem intercorrências. O exame histopatológico confirmou carcinoma do cisto do ducto tireoglosso na peça cirúrgica. Após discussão multidisciplinar, decidiu-se pela realização de tiroidectomia total, sendo identificado carcinoma papilar da tiroide de forma síncrona no exame histopatológico.

Keywords: Cisto do ducto tireoglosso. Carcinoma papilar. Massa cervical. Tiroidectomia total. Operação de Sistrunk. Diagnóstico histopatológico.

Contents

Introdução

O quisto do canal tireoglosso é um quisto congénito comum do pescoço, constituindo cerca de 7% das massas cervicais anteriores em adultos1. Pode ocorrer em qualquer ponto ao longo da migração embrionária da tiroide. Geralmente, o canal tireoglosso atrofia e desaparece entre a 7a e a 10a semana de desenvolvimento embrionário. Quando não ocorre a completa obliteração do canal, os remanescentes persistentes manifestam-se como quisto do canal tireoglosso2. O local mais comum do quisto do canal tireoglosso é inferiormente ao osso hióide. A existência de carcinoma no quisto é uma ocorrência rara, observada em 1% de todos os quistos tireoglossos3. O tipo mais comum é o carcinoma papilar variante clássica da tiroide³. Outros tipos raros incluem carcinoma folicular, carcinoma de células de Hürthle, carcinoma de células escamosas e carcinoma anaplásico2. Em cerca de um terço de todos os casos de carcinoma do quisto do canal tireoglosso é identificado carcinoma da tiroide síncrono4. A apresentação típica do quisto do canal tireoglosso é massa indolor na linha média do pescoço, associada ou não a sintomas compressivos2. A presença de um nódulo firme e aderente aos planos profundos, com crescimento rápido e a presença de adenopatias cervicais, deve levantar a suspeita de carcinoma do quisto do canal tireoglosso, sendo mais comum em mulheres2. Tipicamente, aparece entre a 3a e a 4a década de vida3. A investigação diagnóstica de um carcinoma do canal tireoglosso geralmente implica a combinação de características clínicas, complementadas com características imagiológicas para atingir um diagnóstico definitivo. A ecografia do pescoço é um meio complementar diagnóstico não invasivo que permite avaliá-lo. As características suspeitas incluem um componente sólido hipoecogénico dentro do quisto, calcificações ou aumento da vascularização3. A tomografia computorizada (TC) pode demonstrar uma massa com calcificações3.

Caso clínico

Doente do sexo masculino, com 60 anos, que apresentava uma massa indolor na região anterior do pescoço, móvel durante a deglutição, com anos de evolução. O doente não tinha antecedentes cirúrgicos cervicais, infeções ou história de trauma cervical. Sem outros antecedentes pessoais de relevo. A história familiar era negativa para neoplasias da cabeça e pescoço, bem como de massas cervicais. Ao exame objetivo, identificava-se um nódulo com cerca de 3 cm, palpável na linha média ao nível da cartilagem tiroideia, móvel, não aderente aos planos profundos, sem sinais inflamatórios associados (Fig. 1). A tiroide não era palpável e não eram palpáveis outras adenopatias ou massas cervicais. O restante exame físico era normal.

Figura 1. Massa cervical.

A ecografia cervical revelou uma formação ovoide hipoecogénica de 19 x 18 x 11,8 mm acima da cartilagem tiroideia (Fig. 2) e foram identificadas formações nodulares hipoecogénicas na tiroide, a maior no lobo direito que apresenta 17,2 mm de diâmetro e a maior no lobo esquerdo, 11 mm de diâmetro. Foi realizada citologia aspirativa por agulha fina aos nódulos tiroideus, cujo resultado revelou nódulos hiperplásicos (Bethesda II). A ressonância magnética subsequente destacou uma formação heterogénea de 26 mm com áreas de conteúdo líquido, localizada anterior e medialmente à cartilagem tiroideia, evidenciando aspeto multiloculado pós-contraste (Fig. 3).

Figura 2. Ecografia cervical anterior.

Figura 3. Ressonância magnética do pescoço. Formação heterogénea evidenciando aspecto multiloculado após contraste (setas).

Foi diagnosticado quisto do canal tiroglosso, sendo submetido à operação de Sistrunk sem complicações. O doente teve alta no primeiro dia pós-operatório. A análise histopatológica confirmou um quisto do canal tiroglosso com carcinoma papilar variante clássica, medindo 1 cm. Discutido em reunião multidisciplinar, optou-se por tiroidectomia total, que decorreu sem complicações, tendo tido alta ao 2° dia pós-operatório. O estudo histopatológico da peça de tiroidectomia total identificou um carcinoma papilar da glândula tiroide com 11 mm.

Após estes achados, o doente foi novamente discutido em reunião multidisciplinar, e foi proposta a realização de terapêutica adjuvante com iodo radioativo, que decorreu sem intercorrências.

Discussão

O diagnóstico de carcinoma do quisto tiroglosso frequentemente ocorre apenas na análise histopatológica após cirurgia. Embora a biópsia por agulha fina do quisto do canal tiroglosso auxilie em alguns casos, a sua aplicação rotineira é insatisfatória, permitindo o diagnóstico pré-operatório em apenas 20% dos casos3. A sensibilidade da biópsia por aspiração com agulha fina tem sido reportada entre 56% e 62%, com um valor preditivo positivo de 69%3. A sua sensibilidade reduzida pode ser atribuída à diluição do aspirado pelo conteúdo líquido do quisto. Assim, a biópsia por agulha fina mantém um papel controverso no pré-operatório3.

A atual compreensão sobre a génese do carcinoma do quisto do canal tiroglosso é que se trata de um tumor de novo em vez de uma metástase de tumor da glândula tiroideia. Tecido tiroideu ectópico tem sido identificado nas paredes do quisto do canal tiroglosso5. Aliado a isto, o facto do tecido ectópico não conter células parafoliculares C e de não haver relatos de carcinoma medular da tiroide nos quistos do canal tiroglosso suportam a hipótese de se tratar de um tumor de novo e não uma metástase de tumor tiroideu5.

Embora a operação de Sistrunk seja considerada a base do tratamento do carcinoma do quisto do canal tiroglosso, devido à raridade da patologia não há consenso sobre o papel da tiroidectomia total nestes doentes. Alguns autores defendem a realização de tiroidectomia total no mesmo tempo operatório que a operação de Sistrunk em todos os doentes que tenham o diagnóstico de carcinoma do quisto do canal tiroglosso pré-operatoriamente, ou após a operação de Sistrunk, quando o diagnóstico é realizado apenas após avaliação da peça operatória, devido à incidência de neoplasia da tiroide síncrona, que se situa entre 33% a 45%, dependendo das séries avaliadas1. No entanto, outros autores apontam que esta incidência é semelhante à incidência do diagnóstico incidental de carcinoma da tiroide realizado durante uma autópsia, que ronda entre 30% e 35%, e que os riscos associados à tiroidectomia total, nomeadamente lesão do nervo laríngeo recorrente e hipoparatiroidismo, superam os benefícios3. Assim, sugerem que doentes com menos de 45 anos, sem evidência de doença metastática, sem sinais radiológicos preocupantes e com margens cirúrgicas negativas não devem realizar tiroidectomia total de rotina após a operação de Sistrunk, devendo manter vigilância clínica e imagiológica da tiroide3. A decisão de realizar tiroidectomia total deve ser feita consoante as orientações específicas em relação à tiroide. No entanto, uma vantagem da realização de tiroidectomia total de rotina é permitir a utilização da ablação por iodo radioativo e/ou supressão hormonal como terapêutica adjuvante em doentes nos quais se detetou doença metastática durante o seguimento1. Contudo, devido à raridade desta patologia não há orientações para quando deve ser usado o iodo radioativo, sendo que alguns autores sugerem a sua utilização em doentes com metastização ganglionar, carcinoma do quisto do canal tiroglosso e da tiroide síncronos ou tumores de grandes dimensões3.

No nosso caso, devido à idade do doente e à presença de múltiplos nódulos tiroideus, decidiu-se avançar para a tiroidectomia total mesmo com citologia dos nódulos benigna. Apesar da ausência de evidência de doença metastática, decidiu-se realizar o iodo radioativo como terapêutica adjuvante devido à idade e género do doente e por ser uma neoplasia multicêntrica.

A incidência de adenopatias cervicais no carcinoma do canal tiroglosso é baixa, sendo inclusive inferior à incidência de adenopatias cervicais no carcinoma da tiroide.1 Por isso, a realização de esvaziamento ganglionar cervical não está recomendada por rotina, sendo apenas considerada quando existe suspeita de envolvimento ganglionar cervical1.

O carcinoma do quisto do canal tiroglosso é uma patologia rara, com excelente prognóstico, com uma taxa de sobrevivência a rondar os 90%6 e uma taxa de recorrência a rondar os 4,3%3.

Agradecimentos

Este trabalho foi previamente apresentado na forma de Poster no 14° Simpósio do Grupo de Estudos de Cancro da Cabeça e Pescoço.

Financiamiento

Os autores declaram que não houve financiamento para a realização deste estudo.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses relevantes relacionados a este estudo ou à publicação dos resultados.

Considerações éticas

Proteção de pessoas e animais. Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam em conformidade com as normas éticas do comitê de experimentação humana responsável e de acordo com a Associação Médica Mundial e a Declaração de Helsinki. Os procedimentos foram autorizados pelo Comitê de Ética da instituição.

Confidencialidade, consentimento informado e aprovação ética. Os autores seguiram os protocolos de confidencialidade de sua instituição, obtiveram o consentimento informado dos pacientes e têm a aprovação do Comitê de Ética. Foram seguidas as recomendações das diretrizes SAGER, conforme a natureza do estudo.

Declaração sobre o uso de inteligência artificial. Os autores declaram que não utilizaram nenhum tipo de inteligência artificial generativa para a redação deste manuscrito.

References

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