Um caso clínico Re-irradiação no cancro do colo do útero recidivante.

Autores

  • Sara Simões Hospital de Braga
  • Carlos Fardilha ULS de Braga

Resumo

O cancro do colo do útero é um problema maior de saúde pública. A nível mundial, é a quarta causa mais comum de cancro e de mortalidade nas mulheres. (1). Em países menos desenvolvidos, é o segundo tipo de tumor mais frequentemente diagnosticado nas mulheres e é a terceira causa de morte por cancro. (2). Existem variações geográficas no cancro do colo do útero que refletem diferenças particularmente na prevalência da infeção pelo vírus do papilomavírus humano (HPV). Estas variações também se devem a desigualdades no acesso a planos de rastreio e tratamento adequado. (1).

O tratamento da doença localmente avançada (T1b3-T4a na classificação TNM) assenta na radioterapia definitiva com quimioterapia concomitante, seguida de braquiterapia. Está recomendado entregar uma dose de 45 Gy em 25 frações com radioterapia externa ou 46 Gy em 23 frações com recurso a radioterapia de intensidade modulada (IMRT) ou técnica volumétrica em arco (VMAT). A quimioterapia deve ser idealmente com cisplatina concomitantemente. A braquiterapia intracavitária ou intersticial seguida da radioterapia externa é também necessária de forma a assegurar dose suficientemente alta de forma a termos alta taxa de controlo local. Isto é particularmente importante nas histologias não escamosas. O tempo total de tratamento incluindo a radioterapia e quimioterapia concomitantes (QTRT) e a braquiterapia não devem exceder as 7 semanas. (novas guidelines da ESTRO).

 

A taxa de recorrência do cancro do colo do útero após tratamento primário pode atingir os 60%, estando associado a mau prognóstico na maioria dos casos. (3) O tratamento vai depender da localização da recidiva e do tratamento efetuado previamente. É necessário o envolvimento ativo de uma equipa multidisciplinar para a decisão do melhor tratamento a efectuar.

 

De acordo com as recomendações atuais, a recorrência oligo metastática em áreas não previamente irradiadas pode ser abordada com radioterapia externa radical com ou sem quimioterapia. (4). No entanto, a re-irradiação é considerada um desafio nestes casos devido à alta taxa de incidência de toxicidade. Além disso, os estudos desenvolvidos nesta área são altamente heterogéneos entre eles e existe falta de estudos prospectivos de grande escala que nos permitam tirar conclusões sobre a melhor forma de abordar estes doentes.

Este artigo relata um caso clínico de uma mulher submetida a 3 tratamentos de radioterapia por recidiva de cancro do colo do útero localmente avançado, estando atualmente sem sinais de recidiva e com excelente tolerância ao tratamento com um follow-up de 3 anos desde a última recidiva ganglionar.

 

 

Caso clínico:

 

Mulher de 59 anos de idade, psicóloga, ECOG PS 0, sem antecedentes patológicos prévios, em setembro de 2017 recorre a médico assistente de MGF por queixas de coitorragias com cerca de 2 anos de evolução, sem outras queixas associadas. Após exame ginecológico, fez citologia e biópsia colposcópica em outubro de 2017 com o resultado histológico de carcinoma epidermóide invasor não queratinizante do colo do útero.

 

Foi orientada para consulta de Ginecologia Oncológica, tendo sido pedido os exames de estadiamento, nomeadamente RMN pélvica, TAC abdominal e estudo analítico, verificando-se tratar de carcinoma epidermóide do colo uterino estadio IIIA. Em consulta de grupo multidisciplinar, foi decidido realizar radioterapia (RT) e quimioterapia com cisplatino em concomitância (QTRT), seguida de braquiterapia.

 

A doente terminou com excelente tolerância a QTRT em dezembro de 2017, na dose de 45 Gy, com fraccionamento de 1,8 Gy/dia, 5x/semana, através de 7 campos pélvicos, com planeamento de dosimetria computorizada 3D, com fotões 15 MV, em 44 dias. Terminou a braquiterapia em janeiro de 2018, com duas aplicações de sementes radioativas Ir192 (LDR), com a dose de 18.5Gy cada. Na data da alta da radioterapia, em janeiro de 2018, com ausência de queixas relevantes relacionadas com o tratamento. Ficou em vigilância em Ginecologia Oncológica.

 

Em janeiro de 2019, passado um ano, verifica-se recidiva em adenomegalia ilio-obturadora esquerda, tendo sido submetida em março, a exérese cirúrgica da metástase ganglionar ilíaca externa esquerda e linfadenectomía lombo-aórtica e ganglionar pélvica.

 

Em dezembro de 2019, apresenta nova recidiva ganglionar a nível lombo aórtico e a nível local no colo do útero. Decidido em sede de reunião de Serviço de Radio-Oncologia re-irradiação pela recidiva local e ganglionar, tendo completado em fevereiro de 2020, a dose de 42 Gy em 6 frações dirigida ao gânglio lombo-aórtico e de 57 Gy em 19 frações à lesão pélvica com IMRT. Na data da alta, queixas gastrointestinais, nomeadamente com irregularidade ligeira do trânsito intestinal.

 

Em setembro de 2020, detetou-se recidiva ganglionar ao nível da cadeia ilíaca comum esquerda. Terminou RT ablativa (IMRT) ao nível de adenopatia junto dos vasos ilíacos comuns esquerdos a 10-11-2020, na dose de 42 Gy, com fracionamento de 7 Gy/cada, 5x/semana, em 8 dias. Na data da alta doente sem queixas, nomeadamente a nível digestivo, urinário e álgico.

 

Desde então, com um follow-up que conta com 3 anos após a última recidiva, clinicamente e juntamente com os estudos imagiológicos, a doente tem permanecido com ausência de sinais e alterações sugestivas de recidiva locorregional ou à distância.

 

 

 

Discussão:

 

Este relato apresenta uma doente que obteve uma boa resposta clínica e imagiológica após tratamento de re-irradiação, sem evidência até à data de recidiva clínica ou imagiológica num período que conta com cerca de 3 anos de seguimento desde o término da radioterapia. Assim, este caso ilustra a eficácia da re-irradiação nesta doente com excelente tolerância.

Devido às vantagens da radioterapia estereotáxica (SBRT), nomeadamente o facto de ser não invasivo, de ter alta precisão e simplicidade, a SBRT tem sido usada para re irradiação de pacientes com cancro do colo do útero recorrente, com alguns estudos revelando alta taxa de controlo local e baixa incidência de toxicidade grave. No entanto, até o momento, os estudos relevantes ainda são limitados, sendo todos estudos retrospectivos com pequenos tamanhos de amostra. As indicações, a dose de RT, e as restrições de dose para órgãos de risco para a re irradiação do cancro do útero recorrente ainda precisam de ser esclarecidas. (5-6). A re irradiação é um procedimento complexo e desafiador, pois envolve a entrega de radiação a uma área que já foi irradiada anteriormente. Isso aumenta o risco de toxicidade grave, especialmente para o intestino delgado, o reto e a bexiga. Além disso, as indicações para a re irradiação variam de caso a caso, dependendo de fatores como o tamanho e a localização da recorrência, o estado geral de saúde da paciente e as opções de tratamento alternativas. Portanto, são necessários mais estudos para desenvolver orientações claras sobre re irradiação desta patologia. Isso ajudará a garantir que os pacientes recebam o tratamento mais eficaz e seguro possível.

 

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Referências

- Arbyn M, Weiderpass E, Bruni L, et al. Estimates of incidence and

mortality of cervical cancer in 2018: a worldwide analysis. Lancet

Glob Health 2020;8:e191–203.

- Torre LA, Bray F, Siegel RL et al. Global cancer statistics, 2012. CA

Cancer J Clin 2015; 65: 87–108.

- Cohen P.A., Jhingran A., Oaknin A., Denny L. Cervical cancer. Lancet. 2019;393:169–182. doi: 10.1016/S0140-6736(18)32470-X.

- Cibula D., Raspollini M.R., Planchamp F., Centeno C., Chargari C., Felix A., Fischerová D., Jahnn-Kuch D., Joly F., Kohler C., et al. ESGO/ESTRO/ESP Guidelines for the management of patients with cervical cancer—Update 2023. Int. J. Gynecol. Cancer. 2023;33:649–666. doi: 10.1136/ijgc-2023-004429.

- Hasan S., Ricco A., Jenkins K., Lanciano R., Hanlon A., Lamond J., Yang J., Feng J., Good M., Noumoff J., et al. Survival and Control Prognosticators of Recurrent Gynecological Malignancies of the Pelvis and Para-aortic Region Treated with Stereotactic Body Radiation Therapy. Front. Oncol. 2016;6:249. doi: 10.3389/fonc.2016.00249.

- Park H.J., Chang A.R., Seo Y., Cho C.K., Jang W.I., Kim M.S., Choi C. Stereotactic Body Radiotherapy for Recurrent or Oligometastatic Uterine Cervix Cancer: A Cooperative Study of the Korean Radiation Oncology Group (KROG 14-11) Anticancer Res. 2015;35:5103–5110.

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Publicado

2024-06-26

Como Citar

Simões, S., & Fardilha, C. (2024). Um caso clínico Re-irradiação no cancro do colo do útero recidivante. Revista Portuguesa De Oncologia, 7(1-2), 39–41. Obtido de https://rponcologia.com/index.php/rpo/article/view/97